
São Luís, MA – 23 de maio de 2024 – Enquanto o Brasil avança, ainda que a passos lentos, na meta de universalizar o acesso à água tratada e à coleta de esgoto, um estado parece ficar para trás, isolado em uma crise sanitária que remonta a séculos passados. Uma ampla reportagem do Jornal Nacional destacou nesta semana a situação crítica do Maranhão, que amarga consistentemente a última posição no Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil.
A reportagem não se limitou aos dados estatísticos, conhecidos e alarmantes, mas mergulhou na realidade de comunidades onde a falta de infraestrutura básica é uma sentença diária à vulnerabilidade. O que se viu foram rios que servem simultaneamente de fonte de água, local de lazer e destino final de dejetos, e famílias inteiras cujo orçamento já combalido é ainda mais pressionado por gastos com água mineral e medicamentos para tratar doenças de veiculação hídrica.
Os Números que Espelham a Realidade
Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), referentes a 2022, pintam um quadro desolador:
Esgoto Coletado: Apenas 18,65% da população maranhense tem seu esgoto coletado. Isso significa que os dejetos de mais de 7 milhões de pessoas são despejados in natura no ambiente, muitas vezes em fossas rudimentares que contaminam o lençol freático.
Esgoto Tratado: O índice é ainda mais baixo: 11,97%. Mesmo o pouco esgoto que é coletado, nem sempre recebe o tratamento adequado antes de retornar à natureza.
Abastecimento de Água: Cerca de 57% da população tem acesso à água potável. Na prática, milhões de maranhenses dependem de poços, nascentes e carros-pipa, fontes frequentemente contaminadas pela falta de saneamento.
Perdas de Água: A ineficiência da rede de distribuição faz com que 63% de toda água potável produzida se perca em vazamentos e fraudes, um desperdício de recurso financeiro e ambiental.
A Vida Além das Estatísticas: A Reportagem do JN em Ação
A equipe do JN visitou o bairro do Anjo da Guarda, na periferia de São Luís, e mostrou a realidade de dona Maria de Jesus, 62 anos. Em sua casa, a água encanada é um luxo intermitente. A solução é um poço artesiano cavado no quintal, cuja água, mesmo turva, é usada para lavar roupa, louça e, em dias de extrema necessidade, para cozinhar.
"A gente fica com medo, sabe? Mas não tem escolha. A diarreia virou coisa normal na vida dos meus netos", relatou dona Maria à reportagem. A história se repete em dezenas de municípios do interior, como mostrado na matéria, onde igarapés outrora limpos são agora veios de esgoto a céu aberto, margeados por palafitas.
As Consequências em Cadeia
A ausência de saneamento básico desencadeia uma série de problemas interligados:
Saúde Pública: O Maranhão possui uma das maiores taxas de internação por doenças diarréicas do país. Crianças são as mais afetadas, com quadros de desnutrição e atraso no desenvolvimento associados às infecções constantes.
Educação: Crianças doentes não vão à escola. O absenteísmo crônico impacta diretamente no aprendizado e no índice de evasão escolar.
Economia: Adultos doentes não conseguem trabalhar. O poder público gasta milhões em saúde curativa que poderiam ser investidos em prevenção e infraestrutura. Além disso, a falta de saneamento desestimula investimentos e o turismo, perpetuando o ciclo de pobreza.
Meio Ambiente: A contaminação de rios, córregos e do solo é avassaladora, degradando ecossistemas inteiros e afetando a pesca e a agricultura de subsistência.
O Horizonte de Esperança e os Desafios
O JN também destacou os esforços em curso para reverter o quadro. O marco legal do saneamento, de 2020, que prevê a universalização dos serviços até 2033, trouxe expectativa de investimentos maciços. No Maranhão, a Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema) tem um plano de expansão e modernização, e leilões para concessão de serviços em blocos regionais estão em discussão.
No entanto, os desafios são enormes. A equipe do JN mostrou que vencer a inércia burocrática, a dificuldade de logística para chegar a municípios distantes e a garantia de tarifas acessíveis para a população de baixa renda são obstáculos tão complexos quanto cavar os quilômetros de tubulação necessários.
A reportagem do Jornal Nacional concluiu que levar saneamento básico ao Maranhão é mais do que uma meta de infraestrutura; é uma questão de cidadania, dignidade e uma chave fundamental para quebrar, finalmente, o ciclo histórico de desigualdade que assola o estado.
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